Frequentadores são motivados sobretudo por interesse escolar (65%); 21% das cidades não têm unidades municipais. No Norte e no Nordeste, enquanto 75% usam as bibliotecas para tarefas escolares, apenas 1% visitam o local por lazer
No final da tarde de ontem, a biblioteca Álvaro Guerra, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, tinha apenas uma frequentadora. Professora, ela fazia pesquisas no local. O cenário era similar ao da vizinha Alceu Amoroso Lima, onde, entre os 12 frequentadores, havia um grupo de adolescentes estudando e pessoas com listas de livros nas mãos.
Como nos dois locais visitados pela Folha, a maioria das bibliotecas brasileiras é usada mais para pesquisas do que para lazer, aponta o primeiro censo das bibliotecas municipais do país, divulgado ontem pelo Ministério da Cultura.
Segundo os dados, o lazer é responsável por apenas 8% da procura pelas bibliotecas. Em SP, esse índice sobe para 22%.
Já as pesquisas escolares são o principal motivo de frequência às bibliotecas (com 65% das visitas), seguida das pesquisas em geral (26%).
A pesquisa escolar desponta no Norte e no Nordeste: enquanto 75% usam as bibliotecas para tarefas escolares, apenas 1% visitam o local por lazer.
Entre setembro do ano passado e janeiro deste ano, pesquisadores foram a campo e fizeram consultas por telefone coordenados pela Fundação Getúlio Vargas. A pesquisa encontrou o seguinte cenário: 21% das cidades não tinham bibliotecas municipais abertas.
Em 8% dos municípios, de fato não havia biblioteca; em 13%, elas estavam em processo de reabertura ou implantação. O estudo considera apenas as bibliotecas mantidas pelas prefeituras. Mas, segundo o Ministério da Cultura, bibliotecas estaduais ficam concentradas nas capitais e o mais provável é que os municípios sem bibliotecas municipais não tenham nenhum outro espaço de leitura mantido pelo poder público.
Nas que estavam em funcionamento, o censo constatou fragilidades: 71% não ofereciam acesso do público à internet, 91% não tinham estruturas acessíveis a deficientes visuais e 53% tinham condições inadequadas, segundo os técnicos.
Parte desses problemas foi considerada crítica por Fabiano Piúba, diretor de livro, leitura e literatura do ministério. A falta de acessibilidade, segundo ele, é "gravíssima".
Piúba afirma que a responsabilidade pelas bibliotecas é, principalmente, dos municípios. À União, continua, cabe instigar as cidades a organizarem o espaço e oferecer materiais, como livros e mobiliário.
Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios, afirma que a biblioteca deveria ser vista com mais importância pelos gestores, mas que os municípios sofrem com falta de verbas.
Monteiro Lobato lidera visitas em SP
Com apresentações teatrais e de filmes, exposições e outras atividades culturais, a biblioteca Monteiro Lobato, na Vila Buarque, região central de São Paulo, é líder em visitação pública na capital. Entre janeiro e dezembro do ano passado, mais de 73 mil pessoas estiveram no local -média de 240 visitantes diários. Ela é a única biblioteca municipal da cidade especializada em literatura infantojuvenil e tem uma gibiteca com cerca de 3.500 exemplares.
Apesar de ser a mais visitada, a Monteiro Lobato não está no topo das que emprestam mais livros. Esse ranking é liderado por bibliotecas que ficam em regiões mais periféricas, como Ipiranga, Aricanduva, Penha, Guaianases e Vila Prudente.
Segundo dados da Secretaria Municipal da Cultura, solicitados pela Folha, São Paulo tem 53 bibliotecas municipais, excluindo as que ficam dentro dos CEUs.
Mooca, com seis unidades, é o bairro onde fica a maior parte delas, incluindo uma temática de contos de fadas, a Hans Christian Andersen, que teve o menor número de empréstimos entre todas as 53 unidades ao longo do ano passado.
Espaços têm de se modernizar, diz curador do Jabuti
Para José Luiz Goldfarb, curador do Prêmio Jabuti há 20 anos e organizador do projeto Estado de Leitores, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, que inaugurou e revitalizou 112 bibliotecas públicas no interior do Estado, esses locais têm de se modernizar para atrair o interesse dos jovens. Para ele, as bibliotecas precisam ter computador e devem se transformar em centros com oficinas e atividades culturais. "Tem que dar vida para a biblioteca. Livro na estante é um cemitério se ninguém mexer."
- Por que ainda faltam bibliotecas em tantos municípios?
O problema da biblioteca é gravíssimo no Brasil. Não é uma questão que recebe a prioridade que deveria. Hoje, se fecharem um hospital, haverá bastante destaque na imprensa. Mas, quando uma biblioteca é fechada, passa batido. A gente tem aqui no Brasil uma produção maravilhosa de livros, mas a tiragem ainda é muito baixa, principalmente dos livros de literatura, aqueles que são lidos por prazer.
- Mas há muitas bibliotecas que são pouco usadas.
É porque muita gente pensa que qualquer coisa serve [como biblioteca]. Mas tem que ter qualidade, manutenção, ou não atrai o jovem, o leitor do futuro.
- E como atraí-los?
Acho que as bibliotecas, quando se tornarem prioridade, vão ter recurso para renovar o acervo. Se a biblioteca não renova o acervo, o jovem não volta. E como elas ficaram com o acervo velho, criou um clima "down". Hoje, há uma saída para isso: jogar computador dentro da biblioteca para atrair a turminha. Tem que ter uma proposta diferente de organização física e uso do espaço da biblioteca. Criar um espaço multicultural, com workshop de quadrinhos, de circo. Ensinar a fazer jornalzinho na internet.
- Como no Centro Cultural São Paulo (Vila Mariana)?
É, lá é um espaço bem-sucedido. Tem cinema, teatro, tem que ser multicultural. Esse é o caminho que o mundo inteiro está tomando. Tem que dar vida para a biblioteca. Livro na estante é um cemitério se ninguém mexer. Cada livro é um túmulo, uma coisa morta. Quando inauguro uma biblioteca, digo [para os moradores do local] que, quando eu voltar em um ano, as lombadas dos livros têm que estar sujas. Se elas estiverem branquinhas, é um péssimo sinal. A juventude tem que pegar o livro e levar para o futebol. Nas nossas bibliotecas, infelizmente, tem gente que prefere que o livro nem circule porque não dá trabalho, não suja, não estraga. Mas é o contrário, o livro tem que se desgastar para ser lido.(Johanna Nublat)(Folha de SP, 1/5)
Fonte: JC e-mail 4001
Data: 03/05/2010